Justiça condena líderes religiosos por abuso sexual de fiéis
- 04/04/2023
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Marcelo Antonio Marques Prazeres, Leonardo Campello Ribeiro e Jayson Garrido praticaram abusos no período entre 2009 e 2016
A juíza Simone de Araújo Rolim, da 29ª Vara Criminal da capital, condenou os líderes religiosos Marcelo Antonio Marques Prazeres, Leonardo Campello Ribeiro e Jayson Garrido pelo crime de violação sexual mediante fraude. Os três homens faziam parte do Centro Espiritualista Semeadores da Luz (CESL), na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio, e induziam as vítimas a praticarem atos sexuais em "iniciações tântricas" supostamente determinadas por entidades.
Marcelo foi condenado a 5 anos e 6 meses de prisão. Já Leonardo recebeu uma pena de 5 anos; e Jayson, de 3 anos e 6 meses. No entanto, os três irão recorrer em liberdade. O caso foi denunciado ao Ministério Público estadual em 2018. Na época, a Justiça determinou que os acusados usassem tornozeleiras eletrônicas e fossem proibidos de frequentar o centro espiritual e manter qualquer tipo de contato com fiéis ou testemunhas.
O promotor de Justiça Sauvei Lai, da 30ª Promotoria de Investigação Penal do MP, que assinou a denúncia em 2018, pediu a prisão dos três. O pedido, no entanto, não foi deferido pela Justiça. De acordo com a investigação, Marcelo, Leonardo e Jayson — apontados como presidente, vice-presidente e médium ativo do centro religioso, respectivamente — simulavam incorporar entidades e usavam da posição de liderança espiritual para manter relações sexuais com homens e mulheres que frequentavam o local.
O centro alegava pregar o universalismo como filosofia, reunindo vertentes religiosas de umbanda, candomblé, Igreja Gnóstica Cristã e correntes orientais. Os homens afirmavam estar possuídos por entidades como "Caboclo Pena Branca", "Preta-Velha Maria Conga", "Vovô-Rei Congo de Aruanda" e "Boiadeiro Urubizara" para coagir os fiéis a ter relações com eles. Marcelo, na condição de líder espiritual, conduzia práticas de "iniciação religiosa", além de rituais tântricos, em que praticava os atos libidinosos. Foram mais de 100 abusos praticados por ele no período de 2009 a 2016, sempre de modo parecido: as vítimas eram informadas de que estavam "prontas" para serem iniciadas pela autoridade máxima: o próprio Marcelo.
Leonardo, vice-presidente, sabia dos abusos e não os impediu, inclusive incentivando as vítimas a obedecer a vontade de Marcelo. Ele praticava atos sexuais com fiéis, afirmando que uma entidade havia determinado. Leonardo responde ainda por fingir ser psicólogo e exercer irregularmente a profissão ao menos 67 vezes com diferentes vítimas, cobrando pelas sessões realizadas em um consultório dentro do próprio centro.
O terceiro denunciado, Jayson, médium antigo do CESL, teria abusado pelo menos de duas vítimas - uma delas com 15 anos. O homem convencia as supostas vítimas a praticar de maneira sigilosa a chamada "magia vermelha", que resolveria os problemas emocionais e materiais delas. Durante esses rituais, teria beijado à força a boca e passado a mão nas partes íntimas de uma vítima, na época menor de idade. Ele foi até a casa da adolescente dizendo estar possuído por "Exu Caveira".
O advogado de defesa Leonardo Barreto Antunes, que representa Marcelo Prazeres e Leonardo Campelo, afirmou em nota que os acusados foram absolvidos pelos crimes de estelionato. Já com relação ao crime de posse sexual mediante fraude, a Justiça os absolveu em face de três supostas vítimas.
"A sentença não é definitiva e o processo se encontra em fase de recurso, devendo, portanto, ser garantido o Direito Constitucional pela presunção de inocência, pois tal condenação pode ser reformada pela Instância Superior", esclareceu o advogado na nota.
"Sofro até hoje", diz vítima
Uma mulher que frequentou o Centro Espiritualista Semeadores da Luz (CESL) por cerca de 13 anos, entre 2003 e 2016, relatou ter sido abusada sexualmente por Leonardo durante uma "iniciação tântrica". A vítima conta que o homem usava como justificativa a existência de "males energéticos" para atrair as fiéis para as sessões.
— Ele mandava as meninas levarem velas e ervas, então, ele fazia a iniciação tântrica. Na minha última vez lá, ele pediu para que eu sentasse no chão e ficássemos com os corpos bem juntos. A partir daí, ele entoou um mantra e eu tinha que responder soprando na boca dele. Não chegava a ser literalmente um beijo, mas encostávamos as nossas bocas. Eu não entendia que aquilo era um abuso sexual, achava que era uma iniciação espiritual, mas percebi que não me ajudava, então saí de vez. Eles davam a entender que a gente era especial, só os devotos escolhidos poderiam fazer a iniciação — diz a vítima.
Por outro lado, segundo a mulher, Marcelo atraia somente homens para fazer o ritual, e sempre eram escolhidos rapazes jovens e bonitos. Ele convencia os rapazes de que a "iniciação tântrica" era um momento raro de intimidade profunda com Deus. Com isso, ele, como mestre iniciador, precisaria "depositar seu axé" em um chacra secreto localizado dentro do ânus do fiel.
— O Marcelo dava a desculpa de que existiam chacras no corpo das pessoas. Sendo assim, existia um chacra secreto dentro do ânus, então, para limpar as energias ele precisaria colocar o seu esperma no ânus do iniciante. Pelo que meus amigos me relataram, ele acendia incensos, também entoava mantras, falava para os rapazes se despirem e ia tocando nas partes íntimas deles. Dizia que precisava depositar o axé. Ele pedia que ninguém contasse nada, pois era tudo sigiloso — revela a vítima.
A fé nos líderes religiosos fez com que a mulher abandonasse o emprego e se afastasse da família para viver em função da religião. Para ela, os criminosos praticavam uma lavagem cerebral nos fiéis e incentivavam o fanatismo pelo centro.
— Sofro até hoje com tudo o que aconteceu. Foi extremamente traumatizante, porque eu perdi anos da minha carreira, abandonei meu emprego, me afastei dos meus amigos e da minha família. Desenvolvi um transtorno de ansiedade que eu cuido até hoje. Eles convenciam as pessoas a se tornarem monges e, quanto mais a pessoa fosse fanática, mais eles exploravam. Me aflige muito eles não terem sido presos. Eles são psicopatas, pois abusavam friamente das pessoas que mais tinham boa-fé neles — desabafa a vítima.
Marcelo ainda se aproveitava das informações privadas compartilhadas pelas vítimas nas sessões de psicologia com Leonardo para utilizá-las durante conversas e supostas incorporações de entidades. Ele usava os detalhes íntimos dos fiéis para deixá-los impressionados.
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